Eu, desde pequeno, desde pequeno eu ouvia o meu pai e o meu avô falarem, o povo daqui é caatingueiro, e quem vem de lá é geraizeiro. E naquela época era assim, o povo antigo não tinha cerca, o pessoal criava gado na solta e tinha as malhadas. Ele não se lembra desta época, só de ouvir falar. Mas ele lembra da época que as terras foram liberadas para usucapião e todo mundo foi cercando as terras e fazendo os documentos (Toninho, caatingueiro, 2018).
Os sopés da Serra Geral são situados em meio a duas unidades geomorfológicas bem distintas. Na porção oriental, os altiplanos, onde os gerais são dominados pelos cerrados e fazem transição com a Mata Atlântica. Ao descer a serra, as caatingas dominam e, à medida que se dirige à porção ocidental em direção às planícies sanfranciscanas, o predomínio de uma ampla faixa de transição de caatinga com a mata seca. A identidade do povo caatingueiro é constituída a partir da relação entre esses diferentes biomas e da interação entre os povos que os habitam, em especial os povos da caatinga e dos gerais.
-
-
Elton Gomes dá uma pausa no arado, na comundiade Curral Velho, no muncípio de Porteirinha. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Terra de Anair e Sadi , região Baixa do Barreiro, Porteirinha, Minas Gerais. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Terra de Anair e Sadi, região Baixa do Barreiro, Porteirinha, Minas Gerais. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Grupo musical festejando em comunidade caatingueira, na Terra de Anair e Sadi, região Baixa do Barreiro, no município de Porteirinha. Fotografia de João Roberto Ripper.
-
-
Grupo musical festejando em comunidade caatingueira, na Terra de Anair e Sadi, região Baixa do Barreiro, no município de Porteirinha. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Cisterna Calçadão de 53 mil litros de água na Terra de Anair e Sadi, região Baixa do Barreiro, no município de Porteirinha. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Elton Gomes Barbosa arando manualmente com cavalo sua terra na comunidade rural Curral Velho no município de Porteirinha, Minas Gerais. Elton Gomes Barbosa é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, em 2012. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Arado manual com uso de cavalo na terra de Elton Gomes Barbosa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, em 2012. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Paisagem da região da caatinga. Fotografia de Mariella Paulino
-
-
Família caatingueira no município de Porteirinha. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Família caatingueira no município de Porteirinha. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Família caatingueira no município de Porteirinha. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Caatingueira Geralda Nunes, lavadeira, no município de Porteirinha. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Elton Gomes Barbosa é caatingueiro e, em 2012, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha. Morador da comunidade rural Curral Velho, Elton vai arando manualmente o solo com uso de cavalo para plantar sorgo forrageiro para alimentação do gado. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Caatingueiro coletando frutos, no município de Porteirinha. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Caatingueira coletando frutos, no município de Porteirinha. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Cultivo de palma em comunidade caatingueira. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Casa em comunidade caatingueira. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Paisagem caatingueira. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Cruz de madeira em comunidade caatingueira no município de Porteirinha. Fotografia de João Roberto Ripper
São onze os municípios em que as comunidades caatingueiras dos sopés da Serra Geral encontram-se inseridas: Catuti, Espinosa, Gameleira, Janaúba, Mamonas, Mato Verde, Monte Azul, Nova Porteirinha, Pai Pedro, Porteirinha e Serranópolis de Minas. Esses municípios ocupam uma área de 12.407,63 km2 (ou 1.240.763 ha). Sendo que onde tem a predominância das comunidades caatingueiras abrange uma área de 7.628,60 km2 (ou 762.860 ha).
-
-
Dona Maria e seus filhos com a sanfona. Eles gostam de cantar folia de reis. Dona Maria de Jesus, 93 anos, é benzedeira e vive na comunidade Serra Branca, município de Porteirinha, desde que nasceu. Tem 3 filhos biológicos mas criou 7 filhos da sogra que faleceu jovem. Fotografia de Mariella Paulino.
-
-
Dona Maria e seu filho Lió, tocador de sanfona. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Dona Maria com a imagem de Nossa Senhora Santana nas mãos. Fotografia de Mariella Paulino.
-
-
Dona Maria benzendo Maria Helena. Dona Maria de Jesus, 93 anos, é benzedeira e vive na comunidade Serra Branca, município de Porteirinha, desde que nasceu. Fotografia de Mariella Paulino.
-
-
Maria Helena sendo benzida por Dona Maria de Jesus, 93 anos. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Dona Maria, 93 anos, benzedeira na comunidade Serra Branca, Porteirinha. Fotografia Mariella Paulino
-
-
Dona Maria de Jesus, 93 anos, caatingueira e benzedeira da comunidade de Serra Branca. Fotografia de Mariella Paulino.
-
-
Dona Maria de Jesus, caatingueira e benzedeira de 93 anos, ajeitando seus cabelos. Fotografia de João Roberto Ripper
-
-
Detalhe do cabelo com presilha de Dona Maria de Jesus, 93 anos, caatingueira da comunidade de Serra Branca. Fotografia de João Roberto Ripper
Essa porção do território está inserida na região semiárida de Minas Gerais com precipitação pluviométrica média anual de 750 mm, apresentando os meses mais secos de junho a agosto, sendo frequentes os veranicos que podem ocorrer em meio à estação chuvosa, estacionalidade que frequentemente cria sérios problemas para a agricultura e pecuária. A duração da estação seca costuma ser superior a seis meses e a umidade relativa do ar pode atingir valores inferiores a 15%, principalmente nos meses de julho e agosto. O clima predominante é o tropical de savana, inverno seco e verão chuvoso, o que a coloca em uma das áreas mais vulneráveis de Minas Gerais em função do aquecimento global. Por conta disso, a questão ambiental é considerada como uma das temáticas de maior interesse da ação dos caatingueiros.
-
-
O Grupo Umbuzeiro em 2022, primeira reunião após início da pandemia de Covid-19. Em 2013, durante uma reunião do Sindicato de Porteirinha, os Trabalhadores Rurais decidiram que era necessário criar uma associação que resgatasse a cultura popular da região. Com esse objetivo, fundaram o Grupo Umbuzeiro. Fotografia de Luciano Dayrell.
-
-
O Grupo Umbuzeiro em 2022 se apresenta para registro do Museu Vivo, primeira reunião do grupo após o início da pandemia de Covid-19. Buscando um nome capaz de dar identidade ao sonho, os caatingueiros se inspiraram na natureza, na paisagem da caatinga: “E era importante que fosse o nome de uma árvore”, relembra seu Oscarino Aguiar em entrevista ao CAA, em 2015. Oscarino é um dos fundadores do grupo. Fotografia de Luciano Dayrell.
-
-
Grupo Umbuzeiro em frente ao umbuzeiro, em 2015. Dentre todas as árvores, o umbuzeiro foi escolhido porque o “umbuzeiro guarda reserva da água. Na seca, tudo cai, e o umbuzeiro resiste”, relata Oscarino Aguiar em entrevista ao CAA, em 2015. Fotografia Acervo CAA NM.
-
-
Umbuzeiro em 2022 se apresenta para registro do Museu Vivo. Fotografia de Luciano Dayrell.
-
-
Grupo Umbuzeiro em 2022 se apresenta para registro do Museu Vivo. Fotografia de Luciano Dayrell.
-
-
Grupo Umbuzeiro reunido na casa de Ana e Oscarino, na comunidade Lagoa, antes de se apresentarem. Fotografia de Luciano Dayrell.
-
-
Fotografia de Elisa Cotta.
-
-
Fotografia de Elisa Cotta.
-
-
Fotografia de Elisa Cotta.
-
-
Fotografia de Elisa Cotta.
-
-
Fotografia de Elisa Cotta.
-
-
Fotografia de Elisa Cotta.
-
-
Oscarino Aguiar é um poeta, cujo reconhecimento chegou ao ponto de criar o Hino da cidade de Porteirinha junto com Gildo José dos Santos. Fotografia de Luciano Dayrell.
-
O cenário de crise ambiental dos anos 1980/1990 não estava colocado para os habitantes dos gerais conhecidos como geraizeiros, que desciam a serra em tropas de animais para venderem seus produtos nas feiras e mercados de Porteirinha, Mato Verde, Monte Azul e Espinosa. O comércio era intenso, vendiam ou trocavam seus produtos com os habitantes das caatingas a quem eles denominavam de caatingueiros. As identificações vinculadas aos ambientes onde moravam propiciaram desde o passado a caracterização étnica dessas gentes cujas fronteiras se tocavam enunciando politicamente suas etnicidades.
Por um longo período, a região de caatinga, além da tradição de criação de gado, especializou-se também na produção de algodão e mamona, produtos que eram exportados ou para a Bahia ou para outras regiões do Norte de Minas ou mesmo para o Sudeste. Por ser a economia dos caatingueiros mais monetarizada, os geraizeiros também desciam a serra para se empregar nas atividades de lavoura, que demandavam muita mão de obra. Apesar das distintividades que marcavam essas populações, as relações estabelecidas avançavam em outros aspectos da vida social. Muitas vezes as migrações temporárias tornavam-se permanentes, ampliando-se por relações de casamento e de compadrios estabelecidas nas dinâmicas de intercâmbios.
a nossa origem é dos gerais, até a água que corre aqui vem dos gerais” (Toninho, município de Porteirinha, em entrevista, 2018).
-
-
Amendoim colhido pelas comunidades caatingueiras. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Tamarindos do produtor caatingueiro Geraldo Gomes, da comunidade do Touro, em Serranópolis de Minas, Minas Gerais. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Abundância de produtos da Caatinga. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Casa de Sementes Crioulas do produtor e guardião Geraldo Gomes, da comunidade do Touro, em Serranópolis de Minas, Minas Gerais. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Casa de Sementes Crioulas do produtor e guardião Geraldo Gomes, da comunidade do Touro, em Serranópolis de Minas, Minas Gerais. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Casa de Sementes Crioulas do produtor e guardião Geraldo Gomes, da comunidade do Touro, em Serranópolis de Minas, Minas Gerais. Fotografia de Elisa Cotta
A história da agricultura caatingueira não foi sempre em torno da produção especializada. Muito pelo contrário. A conversa com os interlocutores, antenas da Articulação Rosalino, apontou-nos que antes da expansão da monocultura do algodão a agricultura caatingueira contribuía com a produção de alimentos, com a criação do gado, aves e porcos, além do algodão e da mamona. Havia, inclusive, o uso de sementes crioulas e o plantio de arroz nas áreas de alagadiço. No entanto, com a transformação da produção local, as extensas áreas de caatinga foram intensamente desmatadas e degradadas no auge da expansão da monocultura do algodão.
o meu avô colhia era casa cheia de arroz. O rio não corria, mas tinha baixa. O pessoal colhia, comia, era mais para o consumo, vendia pouco arroz. Naquele tempo vendia era um gado, um porco, um frango caipira” (Ana Rosa, localidade de Malhada dos Bois, em entrevista, 2018).
A retomada de uma agrobiodiversidade na Caatinga
-
-
Colheita de seriguela. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Colheita de acerola. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Produção de frutos da Caatinga. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Produtos da terra. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Descasque de feijão de corda. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Plantação de palma. Fotografia de Mariella Paulino
-
-
Seu Nilton, coordenador geral do Sindicato Rural de Porteirinha, cortando a palma para fazer de ração para o gado e para os porcos. Fotografia de Mariella Paulino
-
-
Criação de porcos na Caatinga. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Seu Geraldo Jorge produz farinha de mandioca e beiju juntamente com a esposa e a irmã Geralda Fotografia de Mariella Paulino
-
-
Seu Geraldo Jorge produz farinha de mandioca e beiju juntamente com a esposa e a irmã Geralda Fotografia de Mariella Paulino
-
-
Produção de beiju a partir da farinha de mandioca. Fotografia de Mariella Paulino
-
-
Produção de beiju a partir da farinha de mandioca. Fotografia de Mariella Paulino
-
-
Produção de queijo e requeijão de Nilton Cesar de Oliveira, coordenador geral do Sindicato Rural de Porteirinha. Foto de João Roberto Ripper
-
-
Produção de queijo e requeijão de Nilton Cesar de Oliveira, coordenador geral do Sindicato Rural de Porteirinha. Foto de João Roberto Ripper
-
-
Produção de queijo e requeijão de Nilton Cesar de Oliveira, coordenador geral do Sindicato Rural de Porteirinha. Foto de João Roberto Ripper
-
-
Apicultura e produção de mel na Caatinga. Foto de João Roberto Ripper
-
-
Apicultura e produção de mel na Caatinga. Foto de João Roberto Ripper
-
-
Apicultura e produção de mel na Caatinga. Foto de João Roberto Ripper
Os parcos rios e córregos que atravessam a região têm origem na Serra do Espinhaço. Se, em outros tempos no período da seca, os rios e córregos mantinham água nos poços e lagoas, atualmente a grande maioria fica seca completamente. Nesse contexto, centenas e centenas de famílias e comunidades recorrem aos encanamentos que foram implantados para captação de água ao longo da Serra Geral. Chegam a percorrer mais de trinta quilômetros desde a sua captação nas escarpas do Espinhaço de rios como o Serra Branca ou Tabuleiro. Nesse sentido, os parques estaduais Serra Nova e Caminhos dos Gerais constituem para os caatingueiros uma maior garantia de proteção das águas que descem das serras.
No entanto, a implantação de projetos de mineração no Espinhaço, como o da extração de ouro da antiga Vale do Rio Doce, atualmente explorado pela empresa canadense Carpathion Gold, em Riacho dos Machados, ou na exploração do minério de ferro, quartzo, areia, granito e pedras preciosas, passam a entrar na agenda de luta dos agricultores, dos sindicatos de trabalhadores rurais e outras organizações, que questionam os alegados benefícios de geração de renda e empregos.
-
-
Fala de Geraldo Gomes durante visita a comunidades caatingueiras mobilizadas pelo Sindicato de Porteirinha em 5 de maio de 2015, para visita de campo com estudantes de agronomia e zootecnia da Unimontes, campus Janaúba. Seu objetivo era trocar experiências e contextualizar ações em defesa do cerrado e agroecologia desenvolvidas por comunidades e o sindicato dos trabalhadores rurais de Porteirinha, em articulação com textos da disciplina Sociologia Rural. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Visita a comunidades caatingueiras mobilizadas pelo Sindicato de Porteirinha em 5 de maio de 2015, para visita de campo com estudantes de agronomia e zootecnia da Unimontes, campus Janaúba. Seu objetivo era trocar experiências e contextualizar ações em defesa do cerrado e agroecologia desenvolvidas por comunidades e o sindicato dos trabalhadores rurais de Porteirinha, em articulação com textos da disciplina Sociologia Rural. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Reunião durante visita a comunidades caatingueiras mobilizadas pelo Sindicato de Porteirinha em 5 de maio de 2015, para visita de campo com estudantes de agronomia e zootecnia da Unimontes, campus Janaúba. Seu objetivo era trocar experiências e contextualizar ações em defesa do cerrado e agroecologia desenvolvidas por comunidades e o sindicato dos trabalhadores rurais de Porteirinha, em articulação com textos da disciplina Sociologia Rural. Fotografia de Elisa Cotta
-
-
Visita a comunidades caatingueiras mobilizadas pelo Sindicato de Porteirinha em 5 de maio de 2015, para visita de campo com estudantes de agronomia e zootecnia da Unimontes, campus Janaúba. Seu objetivo era trocar experiências e contextualizar ações em defesa do cerrado e agroecologia desenvolvidas por comunidades e o sindicato dos trabalhadores rurais de Porteirinha, em articulação com textos da disciplina Sociologia Rural. Fotografia de Elisa Cotta
A partir da conquista da liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, o trabalho avança para ações de desenvolvimento local e com a formação de monitores em agroecologia, os quais passam a discutir e disputar propostas nos âmbitos dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável – CMDRS. É quando um conjunto de práticas agroecológicas desenvolvidas na escala comunitária e familiar – produção de sementes de milho e sorgo, criação de pequenos animais, apicultura, pomares agroflorestais – trazem a discussão da valorização da (agro) biodiversidade associada aos sistemas caatingueiros, além da necessidade de considerar o mercado e seus arranjos produtivos. Inicia-se um conjunto de atividades de pesquisa e desenvolvimento que tem como meta a transição da cotonicultura convencional para sistemas agroecológicos de produção, ampliando a sustentabilidade dos agroecossistemas nativos. Esses sistemas eram conjugados com outras ações estimuladas a partir da constituição da Associação Casa de Erva Barranco Esperança e Vida – ACEBEV – que, atuando no campo da saúde e da nutrição, resgata os valores e saberes da produção tradicional, da alimentação sertaneja e o uso das plantas medicinais e frutíferas da caatinga.