Adentre o legado daqueles que construíram a memória e a luta dos povos tradicionais do Sertão de Minas Gerais
O Museu Vivo dos Povos Tradicionais de Minas Gerais nasceu através do desejo de manter viva a memória de muitas e de muitos que já não se encontram entre nós. Acreditamos na potência de partilhar a memória e o legado daqueles(as) companheiros(as) que se dedicaram a tecer gestos de resistência, que nos permitiram avançar e caminhar firmes na luta. Assim como afirmou o mestre Guimarães Rosa: “as pessoas não morrem, elas ficam encantadas”. Ter essa ideia como norte nos motiva a caminhar, com alegria e esperança.
Camponês / Vazanteiro
Lindemberg Passos, 89 anos, um camponês ribeirinho do rio São Francisco, em Manga, Sertão Norte Mineiro. Deixou para os camponeses e camponesas um grande legado, quem teve a graça e o privilégio de sua companhia compreende a sua grandeza. Na terrinha em que viveu por décadas, foi um grande amante e guardião da mãe terra e a irmã natureza, como ele as chamava. Na roça, cultivava para ele e os animais silvestres. Vivendo no anonimato, um grande sábio, poeta, repentista e profeta. Senhor Lindemberg escrevia e recitava, com o coração e alma, a paixão, o amor, o respeito, o cuidado em defesa da vida da irmã natureza. Ao vê-lo buscar água no Velho Chico, muitas vezes o vi chorar, lamentar e clamar a Deus por justiça, pedindo que livrasse nosso pai Chicão da ganância dos homens... Com carinho, olhar brilhante e profundo de felicidades, sempre vinha nos receber na estrada de sua casa. Guardo na memória esse último semblante da minha visita e das boas prosas e ensinamentos.
Agricultor / Geraizeiro
Seu Arcilo
(Autoria: Evie dos Santos de Sousa)
Um conjunto de coisas...
Olhos vivos, ouvidos atentos...
Fala mansa que mostrava algo escondido, de quem já viu o muito e o pouco
Brilhante como sal da terra no sol de meio dia.
Não demorei para gostar dele, cada palavra encadeada dava uma lógica perfeita de "se isso, então”...
Essa lógica me confrontou, imediatamente percebi que o que aprendi ele já sabia...
Pensei, e agora? Em que posso ajudar?
O que ele não sabe?
E o que eu não sabia?
Teria de construir, construirmos
Aos poucos, percebi que ele como cada um do projeto era como a água no deserto... preciosos
Tinha mãos ásperas, lavrador da terra
Mente forte... acreditava na grota funda, deserta e comprida no Norte Mineiro.
Nela teve fadiga, experiências, frutos e felicidades.
Pedi a ele que contasse, como foi...
Suas palavras saíam rasgadas de alegria...
Lágrimas corriam seu rosto... afinal, sua história....
Lembranças vivas que passeavam nos olhos....
Se lembrou do passado difícil que o trouxe até aqui...
Com humildade compartilhou tudo porque sabia que traria entendimento
Era nobre... importante para apoiar com a tal sustentabilidade...
Deu um significado bonito... cuidar para ter...
Homem rico de entendimento do mundo e de seu interior
Deu nó na cabeça de quem sabia algo daquela realidade árida.
Não havia doutores, nem títulos, nem esperteza...
Eu soube que o que eu devia saber não sabia
Precisava ouvir, ver, criar junto...
Ele falava simples de algo grande, obtido das suas observações, andanças...
Longos anos de silêncio, acocorado, vendo, entendendo....
Entusiasmo de menino... seu filho mais novo tinha isso também...
Curiosidade podia ser seu nome, ou Moisés? Seu filho ou o homem de fé?
Pra mim ambos...
Naquele dia, muitos pensamentos o atravessaram,
Revelando inúmeras saídas, idas e vindas.. possibilidades
Buscou saber aquela que era boa
Recebeu muita gente em sua casa, a tempo e fora de tempo
Que ajudaram a criar seus pensamentos....
Ponto convergente na Vereda, funda...
Queria enxergar a vida, como foi feito, o que acontecia, para onde ia
Ele ouvia, via, cria, obedecia, vivia e fazia o maior fundamento da vida...
O amor, amar, ser amado
Percebi Deus ali... naquele esquecimento bem cuidado
Falei disso para ele, respondeu que num sabia... mas o que tinha, respeitava...
Do silêncio veio a luz
Compreendia os porquês
Pensei, você é sal da terra e luz do mundo...
Mergulhe na construção coletiva do Museu Vivo dos Povos Tradicionais
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